sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Sozinho.

Ele acordou com uma estranha sensação. Algo estava diferente dos outros dias e, só depois de ter levantado da cama, descobriu o que o incomodava: era o extremo silêncio daquela manhã. Nenhum carro passava na rua, os elevadores não trabalhavam, nenhum vizinho arrastava cadeiras ou andava pela casa. Ele saiu e andou pelas ruas, mas não havia ninguém. Todos os carros estavam parados, todas as lojas estavam fechadas. Ele tentou ligar para os amigos, para o trabalho, tudo em vão, ninguém atendia em lugar nenhum. A primeira sensação foi de liberdade, mas este sentimento rapidamente se transformaria em angústia. Ele considerou tratar-se de um sonho, porém, aquilo era real. Passou o dia vagando à procura de alguém, sem sucesso. Voltou para casa, dormiu e esperou que no dia seguinte tudo estivesse diferente. Mas a manhã do outro dia foi igual. E a outra também, e a outra idem. O suicídio seria uma solução, mas de que valeria morrer sem ter ninguém para chorar a sua perda? Passou assim o resto dos seus dias, sozinho, isolado, perdido na ausência de todos a quem amava, a quem odiava, a quem não conhecia. Ele experimentou, para sempre, a experiência de ser a última pessoa à face da Terra. Ele não entendia o que poderia ter acontecido, só sabia do vazio que sentia mas, o que ele não imaginava, é que não era o único.

3 comentários:

Paulo Stenzel disse...

"Sozinho" foi escrito ao som de "Lonely Day" - System of a Down.

Thaiza disse...

Um dos poucos contos daqui mais naturais que sobrenaturais. Quer dizer, no meu entendimento, que me lembrou um pouco Tom Zé, quando diz de São Paulo: conglomerada solidão.

Paulo Stenzel disse...

Obrigado pela compreensão, Thaiza, foi a minha incursão no terror psicológico. Mas não agradou muito a outros leitores que andam por estas bandas. Enfim, não se pode agradar a todo mundo o tempo todo. Por outro lado, eu não escolho os contos, eles surgem, entram sem bater e não me deixam enquanto não os escrevo. Uma vez, vi a Zélia Gatai dizer, numa entrevista, que um dia ouviu o Jorge Amado, enquanto estava escrevendo "Gabriela Cravo e Canela" dizendo na outra sala: "Que sem-vergonha!" Ela perguntou: "O que foi, Jorge?" E ele: "Vem aqui ver o que essa safada fez". Ele se referia à personagem. E é assim mesmo, estas coisas ganham vida própria e surpreendem a nós mesmos.