segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Cobaia.

Na penumbra, os recém despertos olhos mal conseguiam ver o que estava no fundo da sala. Não sabia onde estava e o silêncio era do mais absoluto que ele jamais ouvira, se é que o silêncio seja coisa que se ouça, ainda mais absoluto. Ele não sentia nada do seu corpo, nem mesmo um simples pestanejar era possível. A sua última lembrança era a de estar na cama com uma das suas amantes, a quem chamava namoradas. Elas eram todas mulheres mais velhas, todas casadas, todas carentes por conta da dedicação total dos maridos aos respectivos trabalhos. Ele não se considerava um profissional, não cobrava nada, contentava-se com os presentes que ganhava e que iam de carros a roupas caras. Naquela tarde, ele havia estado com a mulher do cientista, os dois tinham sido flagrados pelo homem que chegou mais cedo e depois... Depois ali estava ele, sem adivinhar que o cientista já sabia dos encontros vespertinos e que via no amante da mulher a cobaia perfeita - jovem, saudável e dispensável - para comprovar a sua teoria. A visão, por fim, encontrou o seu foco revelando que o fundo da sala era, na realidade, um espelho. Ele teria gritado, se pudesse. Entre computadores, fios e tubos havia o que parecia ser um aquário. Dentro do vidro, numa espécie grotesca de conserva, ele viu e logo percebeu: tudo o que restava da sua existência era um par de olhos ligados a um cérebro.

Um comentário:

Paulo Stenzel disse...

"Cobaia" foi escrito ao som de "Blunt of Judah" - Nação Zumbi.