terça-feira, 15 de abril de 2008

Morrendo aos poucos.

A maldita ratazana queria comer o velho Ernesto vivo, chegou mesmo a tirar um bocado do que restava da sua coxa direita, mas, num rápido ataque, ele cravou os dentes no pescoço do animal e garantiu o almoço do dia. Ernesto já não sabia há quanto tempo estava ali, vendo o seu corpo morrer aos poucos. Dos pés, das mãos e de parte dos braços e das pernas só restava o esqueleto com a pele morta ainda grudada. Dos cotovelos e dos joelhos para cima, a carne ia apodrecendo lentamente. As larvas acumulavam-se e o devoravam. Já se havia habituado ao cheiro nauseabundo dos seus dejetos e da própria putrefação. Ele não conseguia afastar as baratas que corriam livremente pelo seu corpo, só restava esperar que passassem pela boca e, assim, virassem alimento. Lá fora, Igor arranhava a porta e latia sem parar. O velho Ernesto só tinha um desejo, era que o pastor alemão conseguisse entrar em casa e, desesperado de fome, fizesse do dono a sua refeição. Assim, acabaria aquela horrenda, dolorosa e indigna morte aos poucos.

5 comentários:

Nuno Guronsan disse...

O desespero de Ernesto desprende-se das tuas palavras tal como a carne se desprende dos seus ossos...

Bravo, Paulo.

Unknown disse...

...é pá... caramba... deu para questionar muitos outros pormenores não descritos - O cotão e as migalhas do pequeno almoço podem ficar agarrados à carne viva se, por descuido, lhe cairem no colo? Mais um foco de infecção...

Continua :o)
Gabs

Paulo Stenzel disse...

Nuno, mais uma vez, obrigado. A continuar assim, qualquer dia estão os comentários a valer mais que os posts.

Paulo Stenzel disse...

Gabriela, o bom desta opção de limitar os contos a um parágrafo, é que não dá tempo para contar tudo. Assim, deixo uma grande abertura para a imaginação do leitor. E, dentro deste gênero, os leitores costumam ter muita imaginação. Estejam à vontade para enriquecer e completar as histórias nos comentários.

Paulo Stenzel disse...

Eu sempre ponho música para escrever. Daí pensei numa coisa. A partir deste post, resolvi (só por curiosidade de quem lê) revelar o que eu estava ouvindo quando escrevi cada conto. Como a escrita dificilmente dura só uma música, fica sempre a música com a qual comecei a escrever. Se acharem que não faz sentido, é só criticar. Ah, não revelo o que estava ouvindo nos anteriores porque já não lembro.

"Morrendo aos poucos" foi escrito ao som de "Fourteen" - ¡Forward, Russia!